sábado, 10 de abril de 2010

Nem tão doce mas com todo o gás


A disputa pelo mercado de refrigerantes

Claudio Carneiro
matéria publicada no site Opinião & Notícia em 28/04/2008

Todos os dias, concorrentes de um importante segmento da indústria travam uma batalha das mais ferozes. O mercado de bebidas não alcoólicas é disputado à unha por gigantes que buscam elevar o que consideram o baixo consumo per capita destes produtos no país, além da preferência do consumidor. Baixo consumo -- é bom que se diga -- na opinião dos fabricantes. Ou você acha pouco ingerir, a cada ano, 6,3kg só de açúcar proveniente daquelas garrafas e latas coloridas? O consumidor brasileiro empurra, goela abaixo, 66 litros de bebidas não alcoólicas por ano, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não-Alcoólicas (Abir), tornando o país o décimo segundo maior consumidor entre as nações do planeta.
Antes de continuar essa prosa, é melhor fazermos as apresentações. Entenda-se por bebida não alcoólica os refrigerantes, os chás, as águas minerais, os sucos, os energéticos e os isotônicos -- também conhecidos como hidroeletrolíticos. Como é comum a confusão de conceito entre estes dois últimos, vale dizer que os energéticos, com mais de 10% de carboidratos, agem graças a estimulantes -- como a cafeína, a taurina -- e são consumidos, geralmente, nas "baladas" e saídas noturnas. É o caso do Red Bull. Já os isotônicos, trazem potássio, sódio, magnésio e cálcio em suas fórmulas e têm como objetivo repor líquidos perdidos durante a atividade física. Um bom exemplo é o Gatorade.
No Brasil, o consumo médio é de 165ml de refrigerante por dia. São 68 calorias ou 17 gramas de açúcar. Parece ser muito, mas é quase nada, apenas 4% de nossa necessidade diária de 2000 calorias. É difícil abordar o tema sem citar o nome da Coca-Cola -- empresa que engole mais de 50% do mercado brasileiro -- o terceiro maior do mundo, atrás dos Estados Unidos e México. O fabricante mundial tem na própria marca seu ativo mais importante. No ranking anual da consultoria Millward Brown, divulgado dia 21 de abril, a Coca-Cola é a quarta marca mais valiosa do mundo -- US$ 58,2 bilhões -- e cresceu 17% em relação ao ano passado, ficando atrás de Google, GE e Microsoft.
Em âmbito mundial -- e também no Brasil -- a empresa promoveu uma renovação gráfica da marca. A nova aparência deixou mais vermelha a Coca-Cola "normal" -- que lidera o mercado brasileiro com 37,3% segundo a AC Nielsen --, mais preta a embalagem zero e mais prateada a embalagem light. Por seu turno, e com vistas ao mercado interno, a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) parte em direção das classes C e D e lança a embalagem de 3,3 litros do Guaraná Antarctica e da Pepsi que será vendida em datas especiais como o Natal e o Ano Novo. "Não haverá reação a esta iniciativa. Não baseamos nossa estratégia em resposta às ações da concorrência. A própria Coca, certa vez, lançou uma garrafa dourada de três litros. Mas abandonamos o projeto. As garrafas pigmentadas são mais difíceis de reciclar e causam prejuízos ambientais", afirma o diretor de marketing da Coca-Cola, Ricardo Fort.
Enquanto isso, a Coca ainda comemora a liderança no segmento sabor laranja: em 2007, a Fanta aumentou em 11% sua participação (6,4% atuais) no mercado brasileiro, que passou a consumir mais o refrigerante que os mercados alemão e norte-americano. A Pepsi aparece com 4,1% de participação.
No segmento guaraná, a Coca tem seu tendão de Aquiles: a Antarctica é líder absoluta com 5,7% e tem 750 mil pontos de venda consolidados no país. Nos anos 80, a Coca tentou abocanhar fatias do segmento com o Guaraná Taí, que acabou rebatizado, nos anos 90, como Guaraná Kuat. O ano 2000 marcou a morte do mais antigo dos guaranás, o da Brahma. Nascido em 1918, foi retirado do mercado para não concorrer com o líder, uma vez que Brahma e Antarctica são marcas da mesma Ambev. O "H2O" foi o lançamento mais bem sucedido da Pepsi, mas a empresa cometeu o equívoco de tratar o produto como água mineral. O Conar e o Ministério da Agricultura entraram em campo cobrando o reposicionamento publicitário e, até mesmo que, na gôndola, o "H2O" fosse afastado das outras águas minerais -- para não confundir o consumidor -- e posto ao lado dos demais refrigerantes, o que o produto efetivamente é.
Voltados para o público mais adulto e com menos de uma caloria por embalagem, os produtos "light" e "diet" vêm engordando sua participação no ranking dos refrigerantes. A Coca Zero, por exemplo, já tem uma fatia de 4% do total do bolo. No vácuo do gosto duvidoso da primeira versão da Coca Light, a Coca Zero marcou posição na pole position do segmento. A alteração da fórmula da Coca Light melhorou o sabor do produto, mas não seu prestígio no mercado, onde amarga 1,3% de participação no ranking brasileiro -- atrás do Guaraná Antarctica Light, com 1,4%, mas muito à frente da Pepsi Light, que tem 0,3% -- todos os dados de participação fornecidos pela AC Nielsen.
O mercado é muito disputado porque gera grandes lucros. Mas também desemprego. O presidente da Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras), Fernando Rodrigues de Bairros, destaca que os principais fatores que levam ao crescente desemprego no setor são o oligopólio e os altos impostos cobrados aos fabricantes brasileiros. Segundo ele, as multinacionais têm isenções fiscais que as beneficiam ao mesmo tempo que prejudicam os fabricantes locais: "ou seja, o que ganha mais paga menos e o que ganha menos paga mais".
Para Bairros, a contribuição é injusta para os fabricantes brasileiros: "Nos últimos cinco anos, cerca de 66% dos produtores de refrigerantes nacionais deixaram de produzir, provocando a demissão de mais de 50.000 trabalhadores. Outro fator que também gerou desemprego nas pequenas fábricas do país foi a iniciativa da Ambev de produzir garrafas de vidro de 600 mililitros para a cerveja Skol, com personalização própria, utilizando recursos do BNDES".
Segundo ele, a iniciativa vai prejudicar os fabricantes de produtos mais populares -- e também os de cachaça -- que utilizam a garrafa âmbar e lisa há mais de cem anos. "Conforme prevê o art. 3º, inciso IV, da Lei nº. 1.521/51, "monopolizar matérias-primas, bens de capital ou gêneros de primeira necessidade com objetivo de provocar uma elevação nos preços, dominar o mercado ou eliminar concorrentes é crime contra a economia popular" e é exatamente isso que a Ambev pretende fazer", reclama Bairros.


Um pouco de história


A história dos refrigerantes no mundo começa nos Estados Unidos, no final do século 19. No Brasil, segundo a Abir, as primeiras tampinhas foram abertas no início do século 20, com a produção de sucos de frutas misturados com água gasosa. Em 1907, Brahma adquire a Teutônia, fabricante destes produtos. A Antarctica lançou a soda limonada em 1912 e o Guaraná Champagne em 1921. As grandes produtoras, Coca e Pepsi, chegaram na década de 40. A água mineral engarrafada é deste período. A produção de sucos prontos, principalmente de laranja, começou nos anos 50. Nos anos 80, chegou a vez dos chás e mates prontos para beber cuja venda foi impulsionada por novos hábitos do consumidor. Isotônicos e energéticos vieram atrás deste novo perfil.
O refrigerante mais consumido do mundo foi criado em 1886 como um xarope para curar dores de cabeça. O farmacêutico americano John Pemberton colocou seu elixir caramelado à venda por cinco centavos de dólar. Cerca de dez vidros da bebida eram comercializados por dia numa pequena farmácia de Atlanta. Hoje, no mesmo período, são consumidos 1,3 bilhão de copos do produto gaseificado. Já a Pepsi surgiu em 1893. A fórmula, à base de aromatizantes naturais compostos, água gaseificada, açúcar, cafeína, corante de caramelo, extrato de noz de cola e ácido fosfórico foi criada pelo farmacêutico Caleb Bradham para o tratamento da dispepsia, ou seja, indigestão.


A reciclagem de embalagens no setor


Um dos temas mais curiosos neste segmento é a reciclagem das embalagens, especialmente as de latinhas. Segundo informações de Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alta Reciclabilidade (Abralatas), enfileiradas, todas as latas de alumínio -- incluindo aí as de cerveja -- produzidas no país a cada ano (mais de onze bilhões), dariam 31 voltas ao redor da Terra.
O reaproveitamento das embalagens PET (Polietileno Tereftalato) pela indústria chega a 35% e cresce cerca de 20% por ano. Além do processo bottle to bottle, de reaproveitamento da garrafa usada para a fabricação de nova garrafa, o PET reciclado é utilizado também para fabricar roupas, cordas e alguns utensílios. Mas o preço do PET, R$ 0,60 o quilo, ainda não é tão competitivo quanto o do alumínio, de R$ 3,50 o quilo.
Felizmente, o Brasil recicla mais de 95% das latinhas que consome. A marca é recorde mundial desde 2000 entre os países em que esta atividade não é obrigatória. Cada tonelada de alumínio reciclado poupa a extração de cinco toneladas de bauxita. Poupança de recursos minerais e de energia: a reciclagem consome somente 5% da energia gasta para produzir o alumínio primário. "Com a reciclagem, poupa-se em riqueza natural e também em energia. O consumo para a produção do alumínio primário equivale aos gastos de energia de uma cidade como Campinas. Além disso, é a embalagem que gasta menos água para ser produzida, a que tem menor impacto ambiental e a de maior rentabilidade para o catador", afirma Renault Castro, diretor executivo da Abralatas.
Somente a coleta dá emprego a mais de 170 mil brasileiros. As demais atividades da cadeia -- transporte e recuperação -- envolvem mais de duas mil empresas. "Além da relevância social da atividade, existe a econômica, de criar esta alternativa de emprego e renda para uma mão-de-obra sem qualificação", destaca. Renault Castro lembra ainda que o alumínio vai para a reciclagem, mas não volta, necessariamente, como latinha: "Pode virar motor de automóvel ou até chapa para piso de ônibus", ressalta.

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